120 dias depois
do viral do Felca:
O retrato da Adultização no Brasil
Quatro meses atrás,
o Brasil parou para assistir... o YouTube.
Na era dos vídeos curtos e descartáveis, um viral de 50 minutos virou conversa de família, combustível de indignação e, de forma rara, pressão política real. Mais do que milhões de visualizações e likes, o vídeo "Adultização", do influenciador Felca, atravessou bolhas, ganhou as massas, gerou campanhas sociais e empurrou o Congresso a aprovar novas regras para proteger crianças no ambiente digital. Em poucos dias, o PL 2628/22 se tornou a Lei 15.211/2025, conhecido como ECA Digital, impondo mudanças concretas na forma que as big techs tratam menores de idade em ambientes digitais.
Mas uma pergunta ficou no ar:
o que tudo isso mudou
na cabeça das pessoas?
Será que pais e mães entenderam (ou mesmo sabem) o que foi aprovado? Depois de tanto debate, sentiram mais segurança, ou mais preocupação com como seus filhos agem on-line? A mobilização inédita gerou consciência duradoura ou só ampliou a sensação de que ninguém sabe, de fato, como proteger crianças na internet?
Esta pesquisa inédita do Projeto Brief traz algumas respostas – e outras perguntas.
Ouvimos pais e responsáveis para entender como, de fato, o viral impactou a opinião pública, onde o consenso nacional em torno da proteção infantil on-line apresenta diferenças e particularidades, e por que, mesmo assim, pais e mães seguem se sentindo sozinhos diante de um mundo digital que cresce mais rápido do que eles conseguem acompanhar.
21% dos filhos já relataram situações desconfortáveis e 8% sofreram assédio, abuso ou ataques – índice que dobra entre meninas de 13 a 15 anos
Oito em cada dez brasileiros apoiam regras para proteger crianças nas redes sociais
Só 1 em cada 3 pais sabe usar ferramentas de controle parental
Acesso e tempo de uso
77% das crianças e adolescentes têm celular próprio
1 em cada 4 passa mais de 5 horas diárias conectado
35% dos pais afirmam que filhos postam sem supervisão
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Metodologia
Para este levantamento, realizamos uma pesquisa quanti-quali através do Swayable, plataforma internacional especializada em medir o impacto de mensagens. O estudo foi conduzido em outubro de 2025, com 1800 adultos brasileiros recrutados por meio de redes sociais, todos pais ou mães de crianças e adolescentes.
A participação foi voluntária e anônima, e os respondentes forneceram informações sobre demografia (gênero, idade, renda, escolaridade, região), preferências políticas, nível de interesse por política, além de detalhes sobre o uso de celulares e redes sociais pelos filhos, percepção de risco, ferramentas de proteção, responsabilidade sobre segurança digital e conhecimento sobre o ECA Digital.
Quase todo mundo concordou com a premissa: crianças e adolescentes estão expostos a conteúdos impróprios no meio digital. O que faltava entender era o quanto as pessoas concordavam com a solução para isso: regulação digital e responsabilização de big techs.
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De manhã na escola, à tarde na casa de colegas, à noite no quarto: através do celular, crianças e adolescentes recebem mensagens estranhas de desconhecidos, participam de “desafios” perigosos, assistem a vídeos que não são adequados para a idade e sofrem ofensas violentas, correndo riscos reais. Os pais devem conversar, alertar e proteger, mas muitas vezes já estão sobrecarregados demais e não conseguem dar conta de tudo o que seus filhos fazem na internet.
É por isso que regulação importa. A Internet não pode ser terra sem lei.
No país que tem mais celulares do que pessoas, não é de se surpreender que as crianças que você conhece tenham acesso (muitas vezes ilimitado) às telas.
Sonhar com um mundo onde menores de idade não usem a internet é quase impossível - e talvez nem seja desejável. Mas buscamos entender a profundidade do impacto das telas na vida das crianças.
Quantas crianças têm celular próprio no Brasil?
O celular próprio virou a porta de entrada para o mundo digital, e ela está aberta desde cedo. Quase 8 em cada 10 crianças e adolescetes brasileiros já têm um aparelho para chamar de seu (o que não inclui, por exemplo, crianças com tablets, computador ou acesso livre ao celular dos pais). A infância mediada por telas deixou de ser um fenômeno e se tornou uma regra. Na correria do dia a dia, o celular virou a babá para milhões de famílias. E também motivo de forte preocupação silenciosa.
A tela virou parte (e não uma parte) do dia a dia
Mais da metade das crianças e adolescentes passa mais de três horas por dia no celular, um volume que já rivaliza com tempo de escola, lazer e convivência familiar. Entre adolescentes, esse padrão é ainda mais intenso. O dado revela que o uso não é casual: é contínuo, constante, quase estrutural. E quanto mais o celular ocupa espaço no cotidiano, maior é o impacto emocional e comportamental percebido pelos próprios pais.
*Desde fevereiro deste ano, a Lei nº 15.100/2025 proíbe o uso de celulares nas escolas. A proposta é que, ao menos no período de estudo, as crianças fiquem longe do uso livre de telas.
53%
passam mais de 3 horas por dia no aparelho
1 em cada 4
passa mais de 5 horas diárias conectado
"No meu tempo, criança brincava na internet"
Sete em cada dez crianças têm pelo menos um perfil ativo nas redes, mesmo nas faixas etárias em que isso seria "proibido". YouTube e WhatsApp são praticamente universais; TikTok e Instagram crescem rápido entre os mais novos. O dado mostra que a entrada no ambiente digital acontece assim que possível, inclusive com influenciadores que criam perfis de filhos antes do nascimento. A criança não precisa ser nem alfabetizada para receber letramento digital.
Entre adolescentes de 13 a 18 anos, 91% têm redes sociais; entre crianças de 8 a 12 anos, 65%; e até 7 anos, 28%.
Você sabe onde seu filho está, Mas não o que ele está fazendo
Um terço das crianças posta conteúdo sem qualquer supervisão. Entre adolescentes, esse número ultrapassa 50%. Para os pais, é impossível (e para os filhos, desconfortável) monitorar toda a atividade on-line. Não é só não fazer, é sobre como não saber como fazer.
35% dos pais afirmam que os filhos postam conteúdo sozinhos, sem supervisão.
Um raro consenso: líderes de esquerda e direita politizam o debate de regulação. Mas a população, não
Se é verdade que pode faltar entendimento, pluralidade de visões e popularização de propostas, e que isso dificulta o apoio, também é verdade que adultos - especialmente pais e responsáveis - sabem que algo precisa ser feito com urgência. E que não dá para esperar a boa vontade das Big Techs de tomarem as melhores providências na proteção infantil.
Eleitores de Lula:
84% acham o texto relevante e 90% apoiam a regulação
Eleitores de Bolsonaro:
75% acham o texto relevante e 73% apoiam a regulação
Quem é responsável pela proteção de crianças e adolescentes nas redes?
Nos mais diversos estratos, os entrevistados são taxativos: 82% têm certeza de que os pais são os principais responsáveis pela segurança on-line dos filhos. Mas o nó da questão aparece logo em seguida, já que a maior parte deles (73%) também concordam que as plataformas devem se responsabilizar pelos usuários menores de idade. Ecoando o principal dado da pesquisa, 61% esperam do governo ações para a proteção digital das crianças. Se “lugar de criança é na escola”, a internet é o espaço onde ela não arbitra: só 3 em cada 10 pais acham que a escola pode ajudar na segurança digital, “perdendo” até para influenciadores - que devem cuidar da segurança do público infantil para 37% dos pais. Claro, se uma criança passa horas acompanhando um creator favorito, os pais esperam que ele esteja repassando valores importantes e conteúdo que proteja seus filhos.
Controle parental: a ferramenta no fundo do armário
Mesmo diante de tantos riscos, 63% dos pais não dominam ferramentas básicas de controle parental nas redes sociais.
Praticamente todas as plataformas têm um pacote de ferramentas voltados a limitar e controlar a atividade dos menores on-line. Entre os pais, quase metade já ouviu falar, mas nunca usou; e 1 em cada 5 nem sabe que esses recursos existem. O resultado é um cenário em que a preocupação cresce, mas a capacidade de agir não acompanha.
Mesmo entre os que utilizam controles, o uso é parcial, fragmentado, longe do necessário para garantir proteção real. Não é falta de cuidado: é falta de preparo técnico. As ferramentas ficam "escondidas", são complexas, limitadas, confusas e longe da experiência intuitiva e facilitada das timelines. E essa lacuna alimenta uma emoção poderosa revelada pela pesquisa: 82,5% dos pais dizem que não deveriam se sentir sozinhos nessa luta.
O retrato é de pais que reconhecem o risco, mas não se sentem tecnicamente preparados.
Apoio a soluções concretas
Praticamente todas as plataformas têm um pacote de ferramentas voltados a limitar e controlar a atividade dos menores on-line. Entre os pais, quase metade já ouviu falar, mas nunca usou; e 1 em cada 5 nem sabe que esses recursos existem. O resultado é um cenário em que a preocupação cresce, mas a capacidade de agir não acompanha.
A lei foi aprovada, mas não entrou nos lares
O ECA Digital — aprovado no Congresso no auge do debate sobre adultização, poucas semanas após o vídeo do Felca viralizar — atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente para o ambiente online. Ele define regras para reduzir a exposição de menores a riscos digitais, estabelece obrigações claras para plataformas (como verificação de idade, limites de recomendação e retirada acelerada de conteúdo nocivo) e cria mecanismos de responsabilização.
Mas, apesar da aprovação em tempo recorde após a pressão pública, a lei não virou conhecimento comum. Só 36% dos pais já ouviram falar do ECA Digital — e, mesmo entre eles, a maioria não sabe do que se trata.
Ou seja: a política pública avançou, mas a comunicação não acompanhou. O que a lei muda, como será aplicada e o que ela representa na prática não chegou às famílias. Sem tradução clara, o ECA Digital ainda não produz sensação de proteção nem orienta comportamentos. Para os pais, o ambiente online continua parecendo um território sem regras — mesmo depois da aprovação da lei que deveria organizar esse espaço.
Nem todo pai, nem toda mãe
— mas quase todos
Mesmo olhando para grupos diferentes (gênero, níveis de escolaridade, renda ou região) uma coisa aparece com força em todos eles: a sensação de que a infância digital saiu do controle e algo precisa ser feito. As diferenças entre estratos não servem para separar as pessoas, mas para mostrar como cada público chega a esse debate por caminhos próprios, com experiências e receios distintos.
Mulheres, especialmente mães de adolescentes, lideram nesse sentido. Para grupos de menor escolaridade, é mais difícil entender como “regulação” pode ser compatível ao mesmo tempo com “liberdade” de criar as crianças da forma que achar melhor. Moradores de capitais sentem o impacto da vida hiperconectada de forma mais aguda. Mas, em todos os casos, a indignação com o cenário atual e o desejo por proteção são quase unânimes. É esse terreno comum que permite construir pontes e conversas que realmente funcionam
Mulheres pontuam consistentemente de 10 a 15 pontos acima dos homens em todas as métricas.
As mulheres são, em maior proporção, responsáveis diretas por crianças. Isso faz o tema bater num lugar muito concreto do cuidado, já que elas percebem mais profundamente os riscos do uso desmedido da internet e respondem com mais empatia, mostrando-se um público estratégico para sustentar essa conversa sobre proteção digital.
Insights qualitativos da conversa
1. “Censura” é o atalho que desvia o debate
A menção à palavra “censura” não foi majoritária no debate, mas quando apareceu, veio quase sempre de homens: 78% desses comentários foram masculinos, contra 22% femininos.
Para parte dos homens, a discussão sobre proteger crianças rapidamente é reinterpretada como risco à liberdade de expressão. Já entre mulheres, o foco permanece em questões concretas — segurança, exposição, rotina familiar e responsabilidade cotidiana.
2. A disputa é moral, não técnica
Pais e mães interpretam o problema menos como falha tecnológica e mais como falha de limites — um ambiente sem barreiras claras, onde a infância está vulnerável. Por isso, mensagens que falam de “proteção”, “família” e “risco real” performam melhor do que explicações sobre algoritmos e ferramentas. O que mobiliza não é a arquitetura das plataformas, é a sensação de que a infância está sendo empurrada para um espaço perigoso.
3. As pessoas concordam com a regulação — mas não com o rótulo
Quando apresentadas como medidas de proteção, as propostas tem mais apoio do que quando são enquadradas como "regulação". O ponto não é convencer sobre o que fazer, e sim sobre como falar disso.
4. A lei existe, mas ainda não virou conhecimento comum
O PL 2628 avançou, o ECA Digital está aí — mas só 18% sabem do que se trata. Isso mostra que o Brasil está discutindo um tema que não chegou integralmente à população. Há uma distância grande entre aprovação legislativa e compreensão pública — e essa distância cria espaço para ruído e desinformação.
5. Falta explicação, não opinião
O que as pessoas mais pedem é clareza: o que muda na prática? Como será aplicado? Quem fiscaliza? Qual é a responsabilidade de pais, plataformas e governo?
Sem essas respostas, o debate fica vulnerável a interpretações simplistas — e à narrativa de que qualquer regra é “controle”. Há demanda por informação básica, não por disputa ideológica.
6. Cultura não muda com um pico de atenção
O vídeo do Felca mobilizou o país, mas isso não resolve o problema.
A pesquisa mostra que o que faz diferença são ações continuadas: comunicação recorrente, orientação prática, campanhas educativas e influenciadores que mantenham o tema vivo.
Mudança real depende de repetição, não de viralização.
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