
Valores, Vilão e Visão
A Metodologia de Comunicação Progressista de Anat Shenker-Osorio
Por que histórias bem contadas vencem discussões políticas — e como construir a sua.
Em um mundo saturado por desinformação, discursos de ódio e ceticismo generalizado, comunicar bem virou um dos principais desafios (e potências) da política. Mas o que realmente funciona na hora de disputar corações e mentes? A resposta pode estar na construção de narrativas. E poucas pessoas no mundo entendem disso tão bem quanto Anat Shenker-Osorio.
Linguista da Universidade da Califórnia em Berkeley e reconhecida como "a maior e mais provocativa especialista da América em comunicar mudanças de paradigma", Anat desenvolveu uma metodologia que virou referência entre campanhas progressistas pelo mundo: Valores, Vilão e Visão. Um modelo narrativo direto, estratégico e eficaz — especialmente em tempos de polarização.
Sua abordagem parte de uma premissa revolucionária: "o mundo é feito de histórias, e não de átomos". E propõe uma transformação radical na forma como comunicadores progressistas constroem suas mensagens para promover mudanças sociais e políticas efetivas.
Neste episódio da série Persuasão, explicamos como essa técnica funciona, por que ela dá certo e como você pode aplicá-la para fortalecer suas mensagens, conectar com o público e construir uma comunicação com propósito.
Antes de tudo: o que sua mensagem precisa fazer?
Segundo Anat, se você está comunicando com intenção política, sua mensagem tem dois objetivos centrais:
1. Mudar como as pessoas se sentem.
2. Mudar o que elas fazem.
E boa parte da comunicação progressista falha nesse ponto: ou se perde no diagnóstico (cheio de dados e problemas), ou se refugia na denúncia (sem proposta concreta). A metodologia "Valores, Vilão e Visão" propõe outro caminho: partir do que une, nomear o que atrapalha e apontar um futuro desejável.
1. Comece com Valores (e não com problemas)
A maioria das campanhas começa do jeito errado: "Olha só que tragédia, que absurdo, que escândalo." O resultado? As pessoas desligam. Ninguém quer mais um problema para se preocupar.
O que engaja de verdade são valores compartilhados. Ideias que criam identificação e ressoam com aquilo que o público acredita. Segurança, cuidado, justiça, liberdade, dignidade. Ao começar por aí, você convida as pessoas para a conversa — em vez de culpá-las ou cansá-las.
A descoberta que muda tudo
A pesquisa de Anat revela algo surpreendente: conservadores são derrotados em debates centrados em valores. Esta descoberta desafia a crença de que progressistas devem evitar discussões sobre valores tradicionalmente apropriados pela direita política.
Progressistas frequentemente rejeitam mensagens sobre família e liberdade "como se fossem algo inerentemente conservador", quando na realidade estes conceitos podem ser reapropriados e ressignificados para servir a uma agenda progressista.
Família: a lente perfeita
Família é a "lente de valor" perfeita para falar sobre as regras que governam nossa economia e nossa nação. Quando cidadãos são questionados sobre por que trabalham e o que querem para suas famílias, apresentam uma lista de ideais progressistas: aposentadoria segura para os idosos, futuro melhor para seus filhos.
✱ Exemplo:
Em vez de começar dizendo “O acesso à saúde é desigual no Brasil”, comece com:
“Todo mundo merece acesso à saúde. Cuidar de quem a gente ama não deveria depender de dinheiro no bolso.”
2. Nomeie o Vilão (e não o sistema genérico)
Depois de apresentar o valor, é hora de gerar dissonância: alguém está impedindo esse valor de se realizar. Quem?
Aqui entra o segundo pilar da estratégia: o vilão.
E atenção: vilão não é o "sistema", a "estrutura" ou o "contexto". Isso dilui a responsabilidade. Vilão é quem age com intenção para manter as coisas como estão. É quem lucra com a injustiça. É quem tem nome, cargo e interesses.
Por que nomear vilões funciona
A identificação de vilões específicos serve a múltiplos propósitos:
Oferece um alvo concreto para a mobilização política, evitando a dispersão de energia em críticas vagas
Humaniza conflitos políticos abstratos, tornando-os mais compreensíveis e emocionalmente envolventes
Permite a construção de coalizões amplas ao unir diferentes grupos em oposição a um adversário comum
✱ Exemplo:
Em vez de “o meio ambiente está sendo ameaçado por mudanças na legislação”, diga:
“Deputados pressionados por mineradoras e outros grandes interesses querem aprovar uma lei que libera obras sem estudo de impacto — mesmo sabendo que isso abre caminho pra novas tragédias como Brumadinho.”

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3. Apresente uma Visão de futuro (em vez de só criticar o presente)
O terceiro passo é mostrar para onde estamos indo.
Não basta criticar, é preciso propor. Não basta resistir, é preciso imaginar.
Gente comum não se mobiliza por indignação, mas por esperança. O que move é a ideia de que algo melhor é possível — e alcançável.
Criação de algo bom, não apenas redução de algo ruim
A construção de uma visão progressista eficaz requer que comunicadores mantenham o foco no resultado, não no processo e descrevam o que buscam, não ao que se opõem.
Esta reformulação linguística não é meramente cosmética, mas reflete uma mudança fundamental na forma como propostas políticas são enquadradas. A visão progressista enfatiza resultados tangíveis que ressoam com as aspirações cotidianas das pessoas.
✱ Exemplo:
Em vez de dizer “É preciso acabar com a escala 6x1”, diga:
“Todo trabalhador merece descansar pelo menos dois dias por semana, ter tempo pra família, pra cuidar da saúde e viver além do trabalho. A gente pode — e deve — conquistar um modelo que respeite quem põe esse país de pé.”
Por isso, toda boa narrativa precisa de uma visão positiva, concreta e inspiradora. Não é "mitigar danos" ou "reformar o que está falido". É criar algo novo e desejável.
Como aplicar essa estratégia passo a passo
1. O que você quer que as pessoas sintam e façam?
Essa pergunta vem antes da mensagem. Defina seu objetivo emocional (esperança, indignação, pertencimento?) e sua chamada à ação (votar? pressionar um deputado? compartilhar algo?).
Se você quer construir uma comunicação com mais impacto e persuasão, comece com este roteiro:
2. Qual valor você pode acionar que conecte com o público?
Evite jargões. Use conceitos como cuidado, dignidade, proteção, liberdade. Traduza ideias políticas em sentimentos concretos. Lembre-se: iniciar com valores também nos lembra de que precisamos desafiar nossas crenças arraigadas sobre o que podemos ou não dizer em nome de uma agenda progressista.
3. Quem está ativamente impedindo que esse valor se concretize?
Diga nomes, interesses, intenções. "Grandes bancos", "o deputado fulano", "os CEOs do petróleo". Precisa ser específico. Traga as pessoas à cena — nomeie vilões e heróis.
4. Que futuro possível você propõe no lugar?
Evite termos técnicos. Use imagens vívidas. Faça as pessoas desejarem o futuro que você propõe. Conecte políticas específicas a valores universais.
5. Teste. Refine. Repita.
Anat defende que toda mensagem deve ser compartilhável. Se ninguém quer repetir, a mensagem morre. Ela precisa sobreviver ao boca a boca. E para isso, precisa ser clara, emocional e corajosa.
Por que isso funciona?
Porque move. Porque conecta. Porque organiza.
A estratégia de "Valores, Vilão e Visão" não é uma fórmula mágica — é uma ferramenta para construir discursos com alma e direção.
Funciona porque devolve agência às pessoas. Em vez de um mundo incontrolável, oferece um conflito com lados claros. Um valor a defender, um vilão a enfrentar, uma visão a conquistar.
O futuro da comunicação progressista não depende da moderação ou do abandono de valores fundamentais, mas da reapropriação corajosa de conceitos universais como família, liberdade e oportunidade. Esta estratégia permite que movimentos progressistas construam coalizões mais amplas e eficazes, capazes de promover mudanças sociais duradouras através do poder transformador de narrativas bem construídas.
Uma mensagem poderosa não diz o que já é popular. Ela torna popular o que precisa ser dito.
Como diz Anat, "a comunicação progressista não perde por falta de razão — perde por falta de imaginação."
Está na hora de virar esse jogo.